sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Conexão cérebro-máquina faz paraplégicos se moverem

Liderados por Miguel Nicolelis, testes feitos com oito 

pessoas unem realidade virtual a exoesqueleto
Tecnologia. Nova possibilidade servirá para facilitar o treinamento de novos neurocirurgiões, dizem especialistas


O ambicioso projeto brasileiro de devolver mobilidade a 
paraplégicos por meio de um exoesqueleto robótico, controlado
 pela força da mente, atirou no que viu e acertou no que não viu. 
Ontem, a equipe de cientistas liderada pelo neurocientista 
paulistano Miguel Nicolelis, que atua na Universidade de Duke (EUA), 
divulgou que pacientes paraplégicos com antigas lesões na 
medula espinhal apresentaram melhoras sem precedentes 
na mobilidade e nas sensações. Alguns deles conseguiram 
até mesmo reiniciar sua vida sexual graças a esse tratamento
 de reeducação cerebral e física.

Os resultados surpreendentes envolvendo seis homens e duas
 mulheres que perderam completamente o uso dos membros 
inferiores, publicados ontem na revista especializada “Scientific Reports”,
 foram conseguidos com a mesma plataforma usada na cerimônia
 de abertura da Copa do Mundo de 2014. À época, um paraplégico,
 com a ajuda do exoesqueleto, conseguiu dar um rápido chute 
numa bola de futebol. A demonstração, no entanto, ainda estava 
distante do sonho de devolver a capacidade de andar a pessoas 
que sofreram lesões da medula espinhal.

Ainda é difícil explicar exatamente o que aconteceu com os 
participantes da pesquisa. Todos eles sofreram lesões
 classificadas como “completas” pelos médicos. Ou seja, em tese, 
os impulsos enviados pelo cérebro deles para controlar as pernas
 simplesmente não conseguiriam mais passar pela parte lesionada 
da medula e chegar até os membros. É como se o fio que leva 
energia elétrica para uma lâmpada tivesse sido cortado.

Realidade virtual.A abordagem adotada por Nicolelis e companhia 
buscou contornar esse problema medindo diretamente a atividade 
cerebral dos pacientes, fazendo-os imaginar que estavam mexendo
 as pernas de novo e vendo um avatar desses membros a se
 movimentar numa tela de realidade virtual. Com isso, as áreas 
do cérebro que tinham “esquecido” como mexer as pernas voltaram
 a mapear esse tipo de ação.

A surpresa, porém, veio quando os pesquisadores perceberam, 
após meses de trabalho, que todos os pacientes, em maior ou menor
 grau, passaram a ter sensações de dor, de pressão e de equilíbrio 
na área originalmente afetada pela paralisia.

Um deles – uma mulher de 32 anos paraplégica há mais de uma 
década – vivenciou a transformação mais dramática.

No início dos testes, realizados em uma clínica de São Paulo, ela 
era incapaz de permanecer de pé mesmo com a ajuda de suportes. 
Treze meses depois, ela passou a andar com a ajuda dessa 
estruturas e de um terapeuta e começou a realizar o movimento 
de andar suspensa.

“Nós não poderíamos ter previsto esse resultado clínico 
surpreendente quando o projeto começou”, explica Nicolelis, 
o principal arquiteto dessa pesquisa de reabilitação. “Até agora, 
ninguém tinha visto a recuperação dessas funções em um paciente 
tantos anos depois de ter sido diagnosticado com paralisia 
completa”, explica ele.

Depois dos avanços em locomoção, essa mesma paciente em
 teste recuperou suficientemente as sensações – em sua pele
 e dentro do corpo – “e decidiu ter um bebê”, conta Nicolelis.
 “Ela conseguia sentir as contrações”, afirmou.

“Também houve uma melhoria no desempenho sexual dos
homens”, diz Nicolelis, ressaltando que alguns deles recuperaram
 a possibilidade de ter relações sexuais e ereções.

Capacidade muscular. Todos eles também recuperaram a 
capacidade de contrair ao menos alguns músculos da região
 paralisada – em especial os ligados ao quadril e ao fêmur. 
Eles também conseguiram andar por distâncias curtas com 
ajuda de andadores, muletas e órteses. “O progresso se traduziu 
em uma melhor qualidade de vida, segundo relatos dos próprios
 pacientes”, acrescenta Nicolelis.

A hipótese dos cientistas é que pelo menos algumas das conexões
 entre a medula e os membros dos pacientes foram preservadas e
que o treinamento com a realidade virtual e o exoesqueleto
 fez com que elas “acordassem”.

O objetivo agora é testar o mesmo processo em pessoas 
que sofreram as lesões há pouco tempo – em tese, elas poderiam
 ter melhoras ainda mais claras.

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