(descrição imagem: cadeirante Gil)
O preço da liberdade é a eterna vigilância. A frase, usada largamente por regimes totalitários por óbvios motivos, é creditada ao escritor britânico George Orwell, mas há controvérsias. Ele teria sido considerado o criador por ser o autor do best seller 1984, onde um poderoso big brother vigia indiscriminadamente seus cidadãos. Trinta anos depois da data em que ocorre a trama – o livro foi escrito na década de 1940 –, parafraseamos Orwell e, com uma ligeira distorção, podemos dizer que para os turistas deficientes físicos o preço da liberdade é a eterna cobrança. Liberdade para viajar e paciência para cobrar equipamentos de acessibilidade (rampas, corrimãos, pisos e banheiros especiais, etc). O Ministério do Turismo lança em fevereiro mais uma etapa do programa federal Turismo Acessível. Para avaliar como anda a acessibilidade na capital minera, fomos à Pampulha, um dos principais atrativos turísticos da cidade, acompanhando o cadeirante Gil Porta (foto), que reprovou a Igreja de São Francisco de Assis. Para ele, Belo Horizonte contabiliza avanços (o Mineirão é um exemplo) mas falta muito a ser feito. E é bom lembrar que todos nós podemos ser deficientes em algum momento: basta, por exemplo, quebrar uma perna. Saiba também como foi a emocionante viagem de Elizabeth Dias de Sá, cega desde jovem, aos parques da Disney, nos Estados Unidos, no interessante relato de seu sobrinho, João Lucas Sá, de 15 anos.
Essa tal acessibilidadeCadeirante testa pontos turísticos na Pampulha, pano de fundo para os jogos da Copa. Mineirão agrada, mas Igreja de São Francisco de Assis é reprovada. Sobrinho e tia cega saboreiam a Disney
descrição imagem: estádio que vai sediar seis partidas no campeonato mundial tirou um oito (numa escala de 0 a 10) na avaliação do cadeirante Gilberto PortaGilberto Porta, o Gil, entrou determinado no Mineirão. Na direção de seu Honda Fit adaptado, vinha com um jeitão de Jérome Valcke, também conhecido como “JV, o Inclemente”, aquele francês, palpiteiro-geral da Fifa, encarregado de fiscalizar os estádios que vão sediar os jogos da Copa. Porém, vinha educado e comedido, numa sexta-feira com manhã de muito sol, pouco antes das 10h. Era o pontapé inicial de um périplo pelo conjunto arquitetônico da Pampulha. A missão: testar as condições oferecidas às pessoas portadoras de deficiência para fazerem turismo num dos principais cartões-postais da capital.
No comando da operação, Gil, de 51 anos, “mestre especialista” em detectar falhas ou, em muitos casos, observar que não há o que criticar, pelo fato puro e simples de não haver instalação alguma para deficientes. O que, por si só, constitui motivo de protesto, em se tratando de bens públicos ou a serviço de um público.
Cadeirante há mais de 25 anos, portanto experiente sabedor da rotina de um deficiente físico para a missão, Gil era “o cara” para a missão proposta pelo EM. A esposa Telma, igualmente deficiente, tem um site dirigido para o público de deficientes, o BH Legal (bhlegal.net). O casal é viajante contumaz, portanto useiro e vezeiro de instalações para turistas como eles (confira uma lista de blogs voltados para este público na página 7).
O destino a ser conferido se justifica: a proximidade da Copa do Mundo de Futebol Fifa, que tem Belo Horizonte como uma das sedes e o Mineirão e a Pampulha como pano de fundo. Tocante também o fato de que em fevereiro, o Ministério do Turismo (MTur) lança mais uma etapa do programa Turismo Acessível (veja nesta matéria). Que, como o nome aponta, pretende tornar a vida do viajante com deficiência física mais suave, menos laboriosa, dotando as atrações de equipamentos de acessibilidade.
Análise detalhada Diferentemente de JV, o Inclemente, Gil manteve a fleuma ao entrar no hall principal do Mineirão. De-se por satisfeito com as instalações do estacionamento – são 52 vagas para deficientes e 73 para idosos, num universo de 2.169 abertas para o público –, as indicações por placas e a carreira de piso podotátil (aquele que tem ranhuras e relevos para que, com o toque da bengala, o deficiente visual se oriente) e a catraca própria. Disparou, porém: “Este carpete que colocaram no chão faz a cadeira de rodas agarrar. Se fosse liso, seria melhor.”
Por questões de segurança, de acordo com a assessoria de imprensa da Minas Arena (que administra o Mineirão), as instalações para deficientes são oferecidas somente no anel inferior do estádio. O local na arquibancada para a colocação da cadeira de rodas, bem como rampas de acesso e corrimãos mereceram a aprovação do cadeirante. No banheiro especial (38 ao todo), a colocação de peças como pia, espelho, corrimãos e o vaso sanitário foram também aprovados. Somente o modelo do vaso sanitário, aquele com uma abertura na ponta, foi reprovado, “porque é desconfortável e pouco prático.”
E os espaços dos camarotes não oferecem instalações para deficientes, fato que, obviamente, não passou despercebido. De acordo com a Minas Arena, o estádio tem, além de espaços para cadeiras de rodas, 622 assentos especiais para idosos, grávidas, obesos e crianças de colo.
E aí, Gil? Numa escala de um a 10, qual a nota do Mineirão? “Eu daria um 10. Se bem que os camarotes deixam a desejar. Talvez um nove. Bom acho que oito tá bom. Isso é igual hotel, você nunca pode dar 10 que eles param no tempo. Mas dá para dizer que o Mineirão está aprovado”, afirmou. Então, “bora lá” para a Igrejinha da Pampulha.
VALEI-ME, SÃO FRANCISCO!
Dentro do templo, considerado um dos principais pontos turísticos de Belo Horizonte,
a mobilidade é claramente reduzida. Falta de estacionamento também dificulta
Em matéria de acessibilidade, a Igreja de São Francisco, que também atende pelo nome de Igrejinha da Pampulha, está a anos-luz de qualquer avanço. Nem mesmo uma simples rampa para cadeira de rodas existe no entorno do templo. Corrimãos, pisos podáteis e placas em braile então, nem pensar. Para piorar a situação, por exemplo, dos cadeirantes, parte da pista em frente à igreja foi transformada em ciclovia, o que impede o estacionamento de carros. Resta ao cadeirante estacionar nas proximidades do Parque Guanabara e se deslocar por cerca de 200 metros até lá. Mesmo esse deslocamento é sofrível, já que o piso é totalmente irregular.
Nota zero para a igrejinha, que também não anda muito bem em matéria de conservação, necessitando urgente de reformas, conforme noticiou o EM semana passada. Inclusive para acabar com goteiras no teto, que se transformam num inferno (com perdão do sacrilégio), quando chove mais forte. A assessoria da Arquidiocese de Belo Horizonte, responsável pela igrejinha, informou que um projeto de recuperação do templo e a instalação de equipamentos de acessibilidade está a cargo da Prefeitura de Belo Horizonte, porém não há previsão para execução das obras. O Museu de Arte da Pampulha está em bom estado de conservação, mas segue os passos da igrejinha e não oferece nenhum equipamento de acessibilidade.
Fundação Zoobotânica O Aquário, dentro do zoológico de BH, foi outro ponto testado. No estacionamento não há pista para cadeiras de rodas e o piso é de cascalho. Mas há rampas para acesso e dentro do espaço. No mais, as instalações foram parcialmente aprovadas: há pisos podotáteis, informações em braile, os bebedouros estão na altura ideal, etc., etc. Porém, Gil avalia que o banheiro tem algumas falhas, como papeleira e toalheira mal colocadas e falta de puxador interno nas portas. O Aquário tirou nota quatro. Há um projeto da Prefeitura de Belo Horizonte em plena execução a fim de melhorar a acessibilidade para deficientes dentro de todo o zoológico.
Em que pese o fato de que muitas das instalações para deficientes no Brasil, turistas ou não, caminham a passos lentos – isso quando existem –, Gil considera que muito coisa melhorou. E Belo Horizonte é exemplo. “É uma cidade de relevo acentuado, o que dificulta a locomoção. Mas desde que me mudei para cá, em 2000 (quando veio morar com Telma, vindo de São Paulo), tenho visto que muita coisa melhorou. Mas ainda tem que melhorar muito”, afirma.
Para ele e Telma, uma cidade modelo no Brasil é Socorro (SP), a 138 quilômetros da capital paulista, e polo de esportes de aventura. “Socorro é nota 10. A cidade é toda preparada, fruto de parceria do poder público com os empresários. O deficiente pode praticar inclusive esportes de aventura, pois há adaptações para tudo”, afirmou.
Tratado sobre a cegueira
Viajar para os Estados Unidos. Conhecer os parques da Disney. Ver o famosíssimo castelo do Magic Kingdom bem próximo, com suas tradicionais torres. A expectativa de conhecer a parte “potteriana” do parque, confesso, era demais. Há muito queria ver com meus próprios olhos tudo aquilo. E minha tia Elizabet Dias de Sá, cega, também estava em êxtase. Fomos juntos conhecer o fantástico mundo da Disney.A proposta de viajarmos juntos já fora feita antes pela tia e prontamente aceita: fomos ao Sul do Brasil – em Gramado – e até saímos do país num cruzeiro para a Argentina e o Uruguai. Mas nunca fizemos uma viagem tão repleta de expectativas como essa. As pessoas costumam estranhar nossa dupla porque tia Bebet não enxerga nada e eu tenho apenas 15 anos. Mas, honestamente, nunca vi nada de idiossincrático nisso.
Sempre passamos muito tempo juntos; quando criança, eu ficava dias na casa dela. Pedíamos pizza. E nunca passou pela minha cabeça a ideia de a cegueira ser um tipo de invalidez, algo que a limitasse, separasse de algumas coisas. Tia Bebet é simplesmente fantástica! Com as experiências de viagens anteriores, não é surpresa a ansiedade que sobreveio com a possibilidade iminente de ir conhecer a terra do Tio Sam. Passei o dia anterior na casa dela. Não dormimos. Conversamos, ambos animados, sobre a viagem que estávamos prestes a fazer.
Já no aeroporto de Confins, as bancadas de atendimento da operadora estavam fechadas. Ao voltarmos aos guichês, a fila de atendimento estava enorme. Procurei uma de atendimento especial. Perguntei a um atendente da empresa que estava no local, e ela não soube me informar onde havia atendimento preferencial. Resultado: ficamos cerca de uma hora e meia na fila, tempo gasto desnecessariamente. Quando o guichê preferencial foi aberto, já estávamos sendo atendidos.
Daí em diante, tivemos a burocracia natural dos aeroportos, filas e filas e tempo de espera. Até que, finalmente, conseguimos embarcar. Sentamo-nos num dos primeiros assentos – eles são reservados preferencialmente para deficientes, grávidas e idosos, como ocorre nos assentos de ônibus – e tivemos uma viagem tranquila. Se bem que o aparelho para assistir aos filmes no assento da minha tia não funcionava direito, e esse foi um problema. Mas nada de muito alarme.
Uma viagem longa, de muita demora, mas findou. E, finalmente, desembarcamos nos Estados Unidos. Não recordo o nome do aeroporto, mas lembro-me da magnitude. Era enorme, e de tempos em tempos eu lia uma placa com algum símbolo de acessibilidade. Banheiros acessíveis havia em todos os lugares. E a locomoção era facilitada graças a rampas e carrinhos. Tudo muito diferente... Pra melhor. Os guias foram sempre muito legais; nos trataram muito bem. Saímos do aeroporto com muita rapidez, e de lá fomos direto para o hotel, que ficava dentro do complexo da Disney.
O lugar é enorme. Somente para conhecer o hotel precisaríamos de vários dias. As construções eram temáticas, os quartos também. Salões decorados com personagens da música famosos, assentos retrô com pinta de refeitório, piso acarpetado com temas musicais. Um detalhe importante e interessante: os ATMs, que são os caixas eletrônicos, são acessíveis, com recurso de audiodescrição, além dos números do teclado em braille. Havia um no salão, com entrada para fones de ouvido e os seguintes dizeres (em inglês e braille): “This ATM offers audio assistance for the visually impaired” (Este caixa eletrônico oferece áudio para os deficientes visuais). A tia inclusive o utilizou uma vez, e não houve problemas com a máquina.
Descrição imagem: Tia Bebet e João Lucas no parque temático O mundo de Harry Porter |
No dia seguinte, ao sairmos do hotel e nos direcionar ao primeiro parque, duas coisas impressionaram: a quantidade de pessoas e o tamanho dos lugares. Cada brinquedo e cada atração tem o tamanho de uma casa muito grande, no mínimo. Os desfiles percorrem ruas inteiras dentro do parque e as vias são apinhadas de veículos e pessoas. Cada parque é uma cidade, literalmente. Uma cidade cheia de crianças.
No primeiro parque (Magic Kingdom), notei rampas nas vias e placas de acessibilidade nas entradas dos locais, o que facilita muito a locomoção no mar de pessoas que o local de fato é. Locomoção que foi extremamente exigida de todos nós para conhecer boa parte do local. Como disse, é imenso, e o caminho todo é percorrido a pé. Andamos várias horas, passando o dia inteiro numa caminhada contínua. Uma boa dica para quem for é levar tênis de caminhada, boné ou chapéu, óculos de sol e beber muita, muita água. No mais, foi tudo tranquilo e correu bem.
Fomos a todos os brinquedos desse parque que faziam parte do cronograma e nos divertimos bastante. Aliás, há acesso preferencial a todos os brinquedos e o serviço funciona perfeitamente bem. Chegamos ao hotel cansados, e fui dormir após um banho quente. No outro dia, fomos ao Epcot. Nesse parque, tivemos algumas simulações, inclusive uma sobre corridas de carros e outra que tem por tema uma viagem a Marte. Para um cego, poderia parecer estranho, mas as sensações, segunda a tia, foram incríveis. Começamos a maratona cedo, e paramos para almoçar (um almoço que se resumiu a sanduíches e batatas fritas com refrigerante).
Bênçãos de Deus?
Já um episódio que nos surpreendeu bastante: estávamos no quarto e nos preparávamos para sair – iríamos ao mercado –, quando resolvemos conhecer a loja de suvenires do hotel. Ficava bem próximo à saída, onde pegaríamos um táxi mais tarde, junto a duas companhias memoráveis que encontramos durante a viagem (uma colega de trabalho da tia Bebet, Mara, e sua filha, Beatriz).
Ao chegar na loja, fomos logo ver os produtos que eram deixados em exposição, para a tia conhecer os objetos à venda. Pensando em trazer lembrancinhas para cá, ela já havia comprado bichinhos de pelúcia no Sea World e no Magic Kingdom; mas simplesmente se apaixonou por uma pequena bolsa com tema de Mickey Mouse para portar pequenos objetos e resolveu levar junto com um globo para decoração.
No momento em que levamos os objetos até o caixa, uma atendente, muito impressionada com a tia, nos abordou, perguntando se éramos parentes, se ela era minha mãe. Respondi explicando o parentesco. Mas após isso sua fala marcou a impressão que temos em quase todos os lugares: “God will give you lots of blessings for taking care of her” (Deus te dará muitas bênçãos por tomar conta dela). Fervi de raiva, mas compreendi que nem todas as pessoas ainda estão preparadas para lidar com o diferente do convencional.
O que é natural para mim – afinal, tenho mais quatro tios cegos além da tia Bebet – é estranho para a maioria. E pude perceber isso durante toda a nossa estada na Disney. Apesar dos inúmeros informes e placas de acessibilidade e guias para orientação de dificientes, a maioria das pessoas está despreparada. Após pagar as compras, quis sair de lá o mais rápido possível.
Já a tia teve uma atitude mais madura, demonstrando sua experiência. Concordou, claro, que foi um enorme equívoco da moça achar que eu a estar acompanhando significaria “tomar conta dela”, mas disse também, muito sabiamente, que é muito comum esse tipo de pensamento existir. Que ela já viu muito disso. E que era preciso relevar. Depois rimos do episódio. Pudera. A concepção da moça invertera as posições, colocando a tia numa condição de acompanhada, quando na verdade o menor acompanhado era eu.
Mais tarde, fomos ao mercado comprar várias coisas, entre elas algumas roupas e muito chocolate. Experiência interessante dar conta da lista de compras em outro idioma. Ao final do dia seguinte, a prova final de que a Disney é realmente um lugar mágico: o tempo passou rápido demais e já estava na hora de arrumar as malas. Aprontamos-nos para a saída, que seria logo após o café da manhã, e dormimos. O check-out foi realizado com certa tranquilidade, os guias nos levaram ao ônibus e de lá fomos direto ao aeroporto.
Ao chegar na loja, fomos logo ver os produtos que eram deixados em exposição, para a tia conhecer os objetos à venda. Pensando em trazer lembrancinhas para cá, ela já havia comprado bichinhos de pelúcia no Sea World e no Magic Kingdom; mas simplesmente se apaixonou por uma pequena bolsa com tema de Mickey Mouse para portar pequenos objetos e resolveu levar junto com um globo para decoração.
No momento em que levamos os objetos até o caixa, uma atendente, muito impressionada com a tia, nos abordou, perguntando se éramos parentes, se ela era minha mãe. Respondi explicando o parentesco. Mas após isso sua fala marcou a impressão que temos em quase todos os lugares: “God will give you lots of blessings for taking care of her” (Deus te dará muitas bênçãos por tomar conta dela). Fervi de raiva, mas compreendi que nem todas as pessoas ainda estão preparadas para lidar com o diferente do convencional.
O que é natural para mim – afinal, tenho mais quatro tios cegos além da tia Bebet – é estranho para a maioria. E pude perceber isso durante toda a nossa estada na Disney. Apesar dos inúmeros informes e placas de acessibilidade e guias para orientação de dificientes, a maioria das pessoas está despreparada. Após pagar as compras, quis sair de lá o mais rápido possível.
Já a tia teve uma atitude mais madura, demonstrando sua experiência. Concordou, claro, que foi um enorme equívoco da moça achar que eu a estar acompanhando significaria “tomar conta dela”, mas disse também, muito sabiamente, que é muito comum esse tipo de pensamento existir. Que ela já viu muito disso. E que era preciso relevar. Depois rimos do episódio. Pudera. A concepção da moça invertera as posições, colocando a tia numa condição de acompanhada, quando na verdade o menor acompanhado era eu.
Mais tarde, fomos ao mercado comprar várias coisas, entre elas algumas roupas e muito chocolate. Experiência interessante dar conta da lista de compras em outro idioma. Ao final do dia seguinte, a prova final de que a Disney é realmente um lugar mágico: o tempo passou rápido demais e já estava na hora de arrumar as malas. Aprontamos-nos para a saída, que seria logo após o café da manhã, e dormimos. O check-out foi realizado com certa tranquilidade, os guias nos levaram ao ônibus e de lá fomos direto ao aeroporto.
Ao chegar, nos direcionamos à alfândega e ao escrutínio costumeiro dos scanners de bolsa de mão. Depois de despachadas as malas, esperamos. Desta vez foi relativamente fácil e rápido o atendimento, os caixas preferenciais estavam abertos desde que chegamos. Embarcamos nos lugares preferenciais costumeiros e enfrentamos as horas de voo até voltar à terrinha. Um voo relativamente tranquilo; vimos filmes e dormimos. Desembarcamos, recuperamos nossas malas, demos o último até logo à Mara e à Bia, e nos encontramos com minha mãe, que levaria a tia pra casa. (JLS)
*João Lucas Sá: estudante do Cefet e autor do livro Versos de um menino velho, lançado pela Chromos Editora
O direito do cidadãoPesquisa mostra que turistas com deficiência são viajantes frequentes e contribuem muito com o movimento da cadeia turística. Ministério vai lançar site e aplicativo para esse público
Bom exemplo: ano passado, algumas praias de Pernambuco ganharam equipamentos e pessoal de apoio |
“Acreditar em quem usa cadeira de rodas”, pontua Wilken Souto, de 34 anos, funcionário do Ministério do Turismo (MTur) e coordenador em âmbito nacional de programas como o Turismo Acessível, Viaja Mais Melhor Idade, Turismo Religioso no Brasil e Talentos do Brasil Rural. Cadeiras de rodas, no caso, é somente um símbolo para caracterizar os milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, seja ela de mobilidade, visual, auditiva, física e intelectual. E também grupos que às vezes a gente nem atenta, mas que, igualmente, merecem atenções especiais, caso de crianças mais novas, idosos, obesos e mulheres grávidas, por exemplo.
A afirmação de Wilken vem a propósito do lançamento de mais uma etapa do programa Turismo Acessível, iniciado no fim de 2012: a estreia de seu próprio site, previsto para meados de fevereiro, porém ainda sem dia definido. A assessoria de imprensa do MTur informa que o site ainda não tem endereço definido, mas que o oficial www.turismo.gov.br terá um link conduzindo a ele. A missão do programa Turismo Acessível é “promover a inclusão social e o acesso de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida à atividade turística, de modo a permitir o alcance e a utilização de serviços, edificações e equipamentos turísticos com segurança e autonomia.”
Com 12 anos de experiência em desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo, Souto já atuou como consultor para a Unesco em projetos e programas do MTur e, durante a entrevista, se mostrou extremamente animado com o programa Turismo Acessível e o lançamento de seu site. “São dois os motes principais do site: sensibilizar o trade turístico para a necessidade de se aparelhar, a fim de receber melhor a pessoa com deficiência, e informar ao próprio deficiente as possibilidades de acessibilidade que ele terá em suas viagens.
“Temos que incentivar o direito do cidadão”, proclama Souto, explicando que o site será colaborativo, no estilo do famoso site de viagens, Tripadvisor, no qual os viajantes dão nota para estabelecimentos turísticos e todos tem acesso à informação. “O deficiente é uma pessoa que gosta de viajar e, na maioria das vezes, viaja com uma duas pessoas (veja pesquisa na página 7). Por isso deve ser mais valorizada pelo trade turístico, pois é um público imenso, de cerca de 45 milhões de pessoas, de acordo com o senso do IBGE. Temos que mudar esse paradigma”, pondera, acrescentando que o Banco do Brasil tem uma linha de crédito especial para o empresário que tem a intenção de equipar seu empreendimento com instrumentos de acessibilidade. Mas ele mesmo admite que, às vezes, equipar pode ficar caro, principalmente em edificações mais antigas.
Ranking Ele conta que o MTur vai lançar em março um aplicativo para celular e tablet com atrações turísticas e estabelecimentos avaliados pelas próprias pessoas com deficiência. A maior parte dos entrevistados costuma realizar viagens com duração média de uma semana, sendo que a frequência gira em torno de duas a quatro vezes ao ano.
Pesquisa do MTur aponta que as cidades melhores no ranking brasileiro de acessibilidade, de acordo com Wilken Soutto, são Socorro (no interior paulista, polo de turismo de aventura e esportes radicais), São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Levam o troféu de piores, Manaus, Goiânia, Brasília, além do interior de Goiás, Pantanal Mato-grossense e as praias em geral.
Na Europa é melhor
Falta de informações detalhadas para turistas sobre condições para abrigar, receber e transportar deficientes no Brasil é uma das grandes queixas, aponta pesquisa. Veja as dificuldades de uma viajante
descrição imagem: Entre duas amigas, a publicitária brasiliense Nana Veloso: "Há dificuldades para obter informações." Ela diz que Brasília é péssima no quesito acessibilidade, como apontou estudo |
A publicitária Mariana Velloso, 36 anos, pretende viajar em março mas enfrenta as dificuldades de sempre para escolher onde vai. Moradora de Brasília, ela vem pesquisando para montar uma viagem de férias há 15 dias. E ainda não decidiu se ruma para uma praia no Brasil ou um destino na Europa: França e Espanha estão em sua mira. Se fosse simplesmente escolher o destino que mais oferece condições para receber um deficiente físico, ela não teria dúvidas e pegaria um voo para cruzar o Atlântico. Ou então iria para a região Sul dos Estados Unidos, destino também cobiçado por ela. Porém, Mariana, ou Nana como é mais conhecida, tem um fraco por praias no Brasil.
“A gente pesquisa, pesquisa e não consegue muitas informações sobre as condições oferecidas por hotéis no Brasil para abrigar deficientes. Nem se a cidade tem transporte adequado para tal e restaurantes com estrutura especial. Ao contrário de Espanha e França, por exemplo, destinos onde é facílimo descobrir e contratar transporte, hotel e mesmo pessoas para ajudar quem é deficiente. Algumas praias da Espanha oferecem até via de acesso na areia para esses casos. No Brasil tá difícil”, comenta, acrescentando que uns poucos hotéis em Recife (PE) e alguns resorts de praia atendem parcialmente suas expectativas nessas pesquisas.
E aproveita para reclamar também da cidade onde vive, lugar que considera bem despreparado para abrigar pessoas na sua condição. Portadora de distrofia muscular (doença degenerativa), Nana precisa se locomover em cadeira de rodas e diz que a capital federal é uma lástima nesse sentido. “Já cai para a frente duas vezes com a cadeira por falta de rampa e piso próprios. Numa delas cortei o queixo. O transporte público para tal é uma lástima. O único lugar completo para atender deficientes em Brasília é o aeroporto. Esse sim, está dentro das regras”, afirma.
Ela conta que em dezembro quis ir a um show da banda norte-americana Dave Matthews Band em São Paulo, mas não conseguiu reservar um hotel com quarto para deficientes. “Eles não aceitam reserva. Exigem a presença física do hóspede. Um absurdo. Acho que é porque algumas pessoa nãos deficientes faziam a reserva com se fossem, para aproveitar um quarto maior, com banheiro maior.” O caderno Turismo enviou este questionamento para a diretoria e assessoria de imprensa da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH Nacional), mas não obteve resposta.
Mesmo que ainda não tenha ido a Bonito (MS) e Socorro (SP), Nana diz que já ouviu falar muito bem desses dois destinos na questão da acessibilidade. “Não tenho um espírito muito de natureza e esportes de aventura, mas fiquei tentada a conhecer pelo que falam”, contou. A publicitária disse que é comum em Brasília os restaurantes, mesmo os melhores, não ofereceram instalações para deficientes. “Aí você pergunta para o dono e ele diz que não oferece porque clientes nessa condição não aparecem por lá. Ora, não aparecem porque não têm instalações”, resume. É mais ou menos como a história do ovo e da galinha: quem nasceu primeiro?
• Blogs e sites do tema
Um guia de produtos e serviços, exclusivo da capital mineira, para pessoas com deficiência é o que oferece o BH Legal (bhlegal.net) site e blog do casal Gil e Telma. Conheça mais alguns que ajudam a pessoa com deficiência:
• Entre amigos Rede de informações sobre deficiência. Informa, orienta e oferece diferentes tipos de suporte, via internet. Tem notícias, calendários de eventos, e é possível publicar seus próprios textos sobre o tema.
entreamigos.com.br
• Bengala legal Era escrito Marco Antonio de Queiroz, conhecido como MAQ, que era cego e faleceu ano passado. Mas continua na ativa. Sua estrutura foi desenvolvida para oferecer acessibilidade web aos leitores. Trata de diferentes temas, como educação inclusiva, legislação e trabalho. Tem uma seção só com audiodescrições.
bengalalegal.com
• Mão na roda Tem guia de atrações turísticas com avaliações de acessibilidade de cada local. Em um mapa é possível identificar locais acessíveis no Rio de Janeiro (RJ). Há também conteúdo sobre temas diversos como esporte, equipamentos e saúde do deficiente.
maonarodablog.com.br
• Blog da audiodescrição Novidades da audiodescrição no Brasil e no mundo e busca apoio para investimento na área. Traz as leis e toda a trajetória da batalha por mais acessibilidade no país.
blogdaaudiodescricao.com.br
Miopia no trade turístico
O Estudo do Perfil de Demanda da Pessoa com Deficiência realizado pelo Ministério do Turismo, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Unesco apontou dados interessantes. Exemplo: na hora de definir uma viagem o turista com deficiência obviamente leva em conta a acessibilidade, mas ela faz parte de um conjunto. Preços competitivos, existência de locais com aspectos históricos e culturais interessantes, gastronomia típica, paisagens raras e condições do transporte local também pesam na decisão.O estudo foi realizado com cinco grupos focais, formados por pessoas com os quatro tipos de deficiência (visual, auditiva, física e intelectual). Os participantes, num total de 80 pessoas, moravam nas cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, principais centros emissores de turistas do Brasil. O planejamento foi um dos aspectos mais citados pelos participantes da pesquisa para minimizar imprevistos e custos, além de dar maior segurança.
Entre os resultados, destaca-se ainda que a internet é o principal canal de comunicação utilizado pela pessoa com deficiência. Já sobre os canais de comercialização utilizados, verificou-se uma preferência pela utilização de pacotes ofertados por agência ou operadora de viagens ou por viagens organizadas por grupos de trabalho, associações ou igrejas. Esses canais oferecem maior segurança em caso de imprevistos durante a viagem.
A pesquisa mostrou também que as informações disponíveis sobre os locais que os turistas com deficiência gostariam de visitar não têm o detalhamento necessário. Para eles é difícil encontrar informações sobre a estrutura física de hotéis, restaurantes e pontos turísticos (existência de rampas e adaptação dos espaços para acesso de cadeira de rodas) e de pessoal qualificado para atendê-los.
Para o coordenador-geral de acessibilidade da Secretaria de Direitos Humanos, Sérgio Paulo Nascimento, um dos pontos que chamam a atenção na pesquisa é que as pessoas com deficiência têm muito interesse em viajar e têm a mesma renda que as demais, no entanto são pouco vistas pelos empresários. “Há uma miopia do trade turístico em relação às pessoas com deficiência. Não é um público pouco relevante, são 45 milhões de pessoas”, ressaltou.
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