Caro leitor, a cantora Clarissa, natural de Teófilo Otoni (MG) compartilha conosco sua história de vida e superação da deficiência física, em favor de dons e potenciais de muita luz. Conheça, também:
(descrição imagem: foto da cantora clarissa)
“Meu nome é Clarissa, tenho 26 anos.
Sou técnica em administração de empresas, advogada não atuante e, atualmente, trabalho numa empresa como gerente de marketing.
Além disso, sou cantora, trabalho com música e produção cultural.
Nasci em 11 de maio de 1986 em Teófilo Otoni, Minas Gerais, e somente no momento do meu parto foi detectada minha deficiência física, e Mielomeningocele, ou Espinha Bifida, além de hidrocefalia. O total desconhecimento prévio da deficiência, por erro médico, agravou minha situação, pois se meus pais soubessem durante a gestação, teriam realizado minha cesariana em uma cidade mais preparada para me atender.
Como em Teófilo Otoni não havia nenhum tipo de infraestrutura capaz de atender a um caso como o meu, meu pai precisou buscar ajuda às pressas através do pediatra que acompanhara a gestação, e a única forma de me levar a tempo para outro hospital foi alugando um pequeno avião particular que me transportaria até Belo Horizonte (e que só seria pago após muito tempo graças à paciência do senhor que o alugou a meu pai, um jovem engenheiro que mal tinha condições de pagar as despesas da cesariana no hospital onde nasci).
Em Belo Horizonte, fiz minha primeira cirurgia, para colocação da válvula da hidrocefalia e fechamento da coluna, e passei alguns meses internada na capital até ser considerada forte o bastante para viajar de volta para casa.
À partir de então, os primeiros anos da minha infância foram difíceis em se tratando da minha saúde, como era de se esperar. Infecções urinárias, diversas cirurgias na coluna e nos pés, um caminho árduo pelo qual meus pais e familiares me guiaram com muito amor e carinho, tentando me afastar das dificuldades para que eu pudesse vivenciar uma infância o mais doce e feliz possível.
Meus avós maternos e minha tia, irmã da minha mãe, se mudaram de Juiz de Fora para Teófilo Otoni exclusivamente para cuidar de mim e ajudar os meus pais. Decidiram abrir uma escola para que eu pudesse estudar juntamente com crianças normais, em igualdade de condições mas sempre perto deles, para que pudessem me auxiliar em tudo que fosse necessário, o que fez absoluta diferença em minha vida, pois a assistência que recebi nesses primeiros anos, tendo convívio normal com outras crianças, mas, ao mesmo tempo, atenção e apoio da família, fez com que me tornasse forte para enfrentar os desafios da vida.
Aos 5 anos de idade coloquei minha primeira órtese e ganhei o primeiro par de muletas, dando meus primeiros passos (o que considero a maior vitória da minha vida), o que contrariou todas as previsões médicas, que sequer deram a meus pais a esperança de que eu chegaria a me sentar, quanto mais, chegar ao ponto de caminhar. Naquela época, eu toda peralta e nada convencional, me negava a usar cadeira de rodas (como me nego até hoje, utilizando apenas para percorrer grandes distâncias) pois não queria me sentir presa a nada, e até hoje escuto comentários médicos de que pacientes com casos muito mais simples do que o meu nunca chegaram a dar um passo sequer, sendo assim considerada uma exceção absoluta às regras.
No mesmo ano dei meu segundo maior passo à minha libertação: comecei a cantar, me apresentando em uma formatura da escola, e descobri então a grande motivação da minha vida, a música, que jamais abandonei desde então.
Ao longo dos anos fui paciente de clínicas e hospitais do Rio de Janeiro, São Paulo, fiz acompanhamentos diversos tanto na área ortopédica quanto urinária (além das dificuldades normais causadas pela mielo, nasci com apenas 1 rim) e à partir dos 8 anos me tornei paciente da Rede Sarah Kubistchek, que me acompanha desde o “ginásio infantil” até hoje, onde já sou atendida no “ginásio adulto”.
Aos 12 anos fui matriculada numa escola diferente da iniciada pelos meus avós, e à partir de então tive de enfrentar situações totalmente diferentes em meu dia-a-dia, como escolas não acessíveis (que meus pais tiveram de desembolsar quantias para eles mesmos tornarem acessíveis, pois as instituições não se predispunham a tal), e só fui estudar em uma instituição 90% adaptada já no ensino superior, onde cheguei a perder algumas aulas por terem sido ministradas numa área do campus sem elevador.
Hoje, aos 26 anos, já não me lembro mais com angústia das dificuldades. Minha vida até então não foi fácil, mas a vida de ninguém é, não é mesmo? Inúmeros foram problemas da deficiência, tão vivenciados por quem convive com debilidades. Momentos de embaraço por incontinência urinária nos locais mais indesejáveis, impedimentos de ir e vir por falta de acesso, problemas de auto-estima que vez ou outra tornavam a adolescência mais complicada do que normalmente já é (rs), a saúde sempre dando alguns sustos... mas com o tempo você cresce. Cresce e se torna mais forte através da luta, da superação diária, do tal “matar um leão a cada dia”, e isso faz parte de viver.
Já dei palestras sobre inclusão social em faculdades, participei de programas culturais de inclusão, e a cada dia que passo faço da música meu estandarte erguido, para fazer com que mais e mais pessoas se sintam felizes, como através de emoções que só a música é capaz de causar, sem fronteiras.
Me exponho, subo nos palcos como sou, um exemplar típico de imperfeição, mas quando canto rompo com tudo que me prende a mim mesma, e me torno livre na minha missão de cantar.
Me exponho, subo nos palcos como sou, um exemplar típico de imperfeição, mas quando canto rompo com tudo que me prende a mim mesma, e me torno livre na minha missão de cantar.
Me formei em um curso superior completamente diferente de quem sou por circunstâncias da vida, e hoje ganho meu sustento trabalhando com marketing, juntando um dinheirinho para me casar em breve.
Quanto à música, sigo lutando por meu espaço ao Sol, e sigo minha caminhada matando às vezes 5, 10 leões por dia, me adaptando ao mundo que não tem muito tempo de se adaptar a mim e aos outros como eu, mas é assim que me torno mais completa, recarregando diariamente minhas forças para romper barreiras (externas e internas).
Quanto à música, sigo lutando por meu espaço ao Sol, e sigo minha caminhada matando às vezes 5, 10 leões por dia, me adaptando ao mundo que não tem muito tempo de se adaptar a mim e aos outros como eu, mas é assim que me torno mais completa, recarregando diariamente minhas forças para romper barreiras (externas e internas).
Como diz Caetano Veloso, “cada um sabe a delícia e a dor de ser o que é”. Eu opto por me focar na delícia e fazer da dor um impulso para viver mais por momentos sempre melhores.
Essa sou eu... Clarissa... por acaso portadora de deficiência física, mas, principalmente, sou cantora, 'sou o mundo, sou Minas Gerais'.”
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Esta é a Clarissa que vem sempre me emocionando desde que tive a sorte de conhecê-la e de quem muito vem aprendendo nos últimos tempos. Eu ainda não conhecia sua história com a riqueza dos detalhes por ela contados, mas é certo que conheço todos os "personagens" dali e, tenho a certeza, todos convictos de que Clarissa tinha que ter nascido assim, ser assim tão especial e, para nada deficiente, somente eficiente, um precioso presente de Deus pra todos nós. Você é um orgulho para os seus pais, tios e avós e pra todos nós que te conhecemos e te queremos tão bem. Obrigado, Clarissa.
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