Liderados por Miguel Nicolelis, testes feitos com oito
pessoas unem realidade virtual a exoesqueleto
Tecnologia. Nova possibilidade servirá para facilitar o treinamento de novos neurocirurgiões, dizem especialistas
O ambicioso projeto brasileiro de devolver mobilidade a
paraplégicos por meio de um exoesqueleto robótico, controlado
pela força da mente, atirou no que viu e acertou no que não viu.
Ontem, a equipe de cientistas liderada pelo neurocientista
paulistano Miguel Nicolelis, que atua na Universidade de Duke (EUA),
divulgou que pacientes paraplégicos com antigas lesões na
medula espinhal apresentaram melhoras sem precedentes
na mobilidade e nas sensações. Alguns deles conseguiram
até mesmo reiniciar sua vida sexual graças a esse tratamento
de reeducação cerebral e física.
Os resultados surpreendentes envolvendo seis homens e duas
mulheres que perderam completamente o uso dos membros
inferiores, publicados ontem na revista especializada “Scientific Reports”,
foram conseguidos com a mesma plataforma usada na cerimônia
de abertura da Copa do Mundo de 2014. À época, um paraplégico,
com a ajuda do exoesqueleto, conseguiu dar um rápido chute
numa bola de futebol. A demonstração, no entanto, ainda estava
distante do sonho de devolver a capacidade de andar a pessoas
que sofreram lesões da medula espinhal.
Ainda é difícil explicar exatamente o que aconteceu com os
participantes da pesquisa. Todos eles sofreram lesões
classificadas como “completas” pelos médicos. Ou seja, em tese,
os impulsos enviados pelo cérebro deles para controlar as pernas
simplesmente não conseguiriam mais passar pela parte lesionada
da medula e chegar até os membros. É como se o fio que leva
energia elétrica para uma lâmpada tivesse sido cortado.
Realidade virtual.A abordagem adotada por Nicolelis e companhia
buscou contornar esse problema medindo diretamente a atividade
cerebral dos pacientes, fazendo-os imaginar que estavam mexendo
as pernas de novo e vendo um avatar desses membros a se
movimentar numa tela de realidade virtual. Com isso, as áreas
do cérebro que tinham “esquecido” como mexer as pernas voltaram
a mapear esse tipo de ação.
A surpresa, porém, veio quando os pesquisadores perceberam,
após meses de trabalho, que todos os pacientes, em maior ou menor
grau, passaram a ter sensações de dor, de pressão e de equilíbrio
na área originalmente afetada pela paralisia.
Um deles – uma mulher de 32 anos paraplégica há mais de uma
década – vivenciou a transformação mais dramática.
No início dos testes, realizados em uma clínica de São Paulo, ela
era incapaz de permanecer de pé mesmo com a ajuda de suportes.
Treze meses depois, ela passou a andar com a ajuda dessa
estruturas e de um terapeuta e começou a realizar o movimento
de andar suspensa.
“Nós não poderíamos ter previsto esse resultado clínico
surpreendente quando o projeto começou”, explica Nicolelis,
o principal arquiteto dessa pesquisa de reabilitação. “Até agora,
ninguém tinha visto a recuperação dessas funções em um paciente
tantos anos depois de ter sido diagnosticado com paralisia
completa”, explica ele.
Depois dos avanços em locomoção, essa mesma paciente em
teste recuperou suficientemente as sensações – em sua pele
e dentro do corpo – “e decidiu ter um bebê”, conta Nicolelis.
“Ela conseguia sentir as contrações”, afirmou.
“Também houve uma melhoria no desempenho sexual dos
homens”, diz Nicolelis, ressaltando que alguns deles recuperaram
a possibilidade de ter relações sexuais e ereções.
Capacidade muscular. Todos eles também recuperaram a
capacidade de contrair ao menos alguns músculos da região
paralisada – em especial os ligados ao quadril e ao fêmur.
Eles também conseguiram andar por distâncias curtas com
ajuda de andadores, muletas e órteses. “O progresso se traduziu
em uma melhor qualidade de vida, segundo relatos dos próprios
pacientes”, acrescenta Nicolelis.
A hipótese dos cientistas é que pelo menos algumas das conexões
entre a medula e os membros dos pacientes foram preservadas e
que o treinamento com a realidade virtual e o exoesqueleto
fez com que elas “acordassem”.
O objetivo agora é testar o mesmo processo em pessoas
que sofreram as lesões há pouco tempo – em tese, elas poderiam
ter melhoras ainda mais claras.