Mãe é um ser que defende seu filho com unhas e dentes, principalmente, se vê seu pequeno sofrer qualquer tipo de preconceito ou constrangimento. Mas, e quando o seu filho se torna ‘invisível’ para os outros? É dessa maneira que se sentem mães de crianças com deficiência que são excluídas ao não poder, por exemplo, frequentar uma escola regular ou quando recebem olhares tortos quando estão com suas crias.
Os preconceitos vem das situações mais corriqueiras, como uma ida ao parquinho ou a um restaurante. A fotógrafa Mari Hart, 36, não consegue esquecer o dia que o filho Leo, que tem paralisia cerebral, enfrentou seu primeiro constrangimento, quando tinha apenas quatro anos. “Era uma festinha infantil e estávamos sentados em uma roda com outras crianças fazendo as atividades propostas. No final, todas ganharam um brinde. Menos ele. O funcionário pulou ele como se nós não estivéssemos ali”, comenta Mari, que é mãe de Pedro, gêmeo de Leo e de Stella, 15.
Mari conta que foi atrás do funcionário alertando que ele “esqueceu do seu filho”. “Ele foi pegar outro brinquedo diferente para dar para ele, um bem porcaria que parecia estar de canto sobrando. Como dói até hoje de lembrar”, conta.
“A quantidade de obstáculos a serem ultrapassados, para exercermos o simples direito de ir e vir, é imensa e me dou ao direito de me cansar. Estou exausta de lutar pelo básico. E ao mesmo tempo, cada vez mais aumenta meu desejo de viver em um lugar bem longe daqui, onde possamos ser respeitados, vistos como um ser humano comum. Não quero tapete vermelho. Quero igualdade. Não acho justo enclausurar cada vez mais meu filho, criá-lo dentro de uma bolha pela falta de tato de uma sociedade inteira para lidar com o que lhe é diferente”, relata.
Mas, os preconceitos e situações constrangedoras não param por aí. No dia de seu aniversário, no dia 17 de fevereiro, Mari foi comemorar com os filhos e os amigos em uma pizzaria de fast-food. “O garçom distribuiu os pratos e deu para todos, menos para ele. Falei, ‘está faltando um prato e olhamos para o Leo’. Outro garçom começou depois a servir as pizzas e pulou o Leo”, lamenta. “Não sei se ele reparou, mas o Leo não é uma coisa. É uma criança que sente fome, sede”.
A pizzaria ainda dá como cortesia uma pizza doce no caso de aniversariantes. Segundo Mari, a pizza doce pequena é dada para quatro pessoas e, de cinco a seis pessoas, é servida a média. “Pedi para o garçom e ele falou ‘quatro pessoas, você tem direito a uma pequena’. Estávamos em cinco pessoas porque o Leo não contaria”. Ao ser questionado, o garçom foi checar com o gerente “se podia” servir o tamanho referente a cinco pessoas.
Depois de muito argumentar, eles saíram com a pizza média do lugar. “Nessas horas fico com ‘sanguenozóio’. Nem queria a pizza doce, minha vontade era jogar ela no lixo”, relata.
Leo, comenta a mãe, tem parte do cognitivo preservado, mas os pais e os médicos não sabem o quanto. “Mas essa é a parte que mais acredito e invisto nele e as respostas são fantásticas. Sinceramente acho que nesses casos ele não entende porque é tratado diferente. Na verdade, prefiro acreditar nisso porque assim ele sofre menos”.
Mari confessa que cada vez sai menos com o seu filho pois as opções de lazer são restritas. Infelizmente, relata Mari, não é mérito daquela pizzaria, mas de um problema geral da sociedade em lidar com o ‘diferente’. Ela faz um apelo para que os donos de restaurantes e estabelecimentos que lidam com o púbico treinem seus funcionários.
“Deficientes saem de casa, jantam com a família, passeiam no shopping, consomem, se divertem, têm sentimentos, desejos, preferências, são seres humanos como eu e você. Eles existem, não são invisíveis. Não tenham medo! Fingir que eles não existem, não mudará a nada. Eles estão por aí, por toda parte, e muitas vezes privados de lazer em família por comportamentos como estes no mundo lá fora. Por favor, não dificultem mais o que já é muito difícil”, relata.
(fonte: Folha de São Paulo)
(fonte: Folha de São Paulo)