O ouro de Fonteles ajudou o Presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e membro do Comitê Executivo do Comitê Paralímpico Internacional, Andrew Parsons, de 34 anos, a cumprir a promessa feita ao público brasileiro antes de Londres 2012: o sétimo lugar no quadro de medalhas, duas acima da classificação de Pequim 2008. Para Rio 2016™, a meta é a quinta posição, o que, na edição londrina, significaria 12 medalhas de ouro a mais.
Nesta entrevista, o dirigente, que ocupa o cargo mais alto do Movimento Paralímpico no Brasil desde 2009, comenta sobre o desafio dos próximos quatro anos, uma continuação do planejamento até agora bem-sucedido que iniciou com a vitória do Rio de Janeiro para sediar os Jogos. Fala ainda dos esforços para a mudança de foco na imagem do atleta paraolímpico. Confira:
Como foi seu início no Movimento Paralímpico?
O esporte fez parte da minha vida desde muito novo. Pratiquei muitos esportes, mas não me profissionalizei. Sempre quis trabalhar com algo relacionado e procurava me informar sobre as entidades esportivas. Morava em Niterói, vizinha ao Rio, e estava terminando o curso de Comunicação Social na Universidade Federal Fluminense, onde ficava o CPB. O esporte paralímpico tinha todos os ingredientes que eu queria. Além da emoção e adrenalina, continha um elemento social.
Costumo dizer que não existe crise de identidade no Movimento Paralímpico, mas uma sinergia. Só conseguimos o respeito das pessoas com e sem deficiência enfatizando o alto rendimento e a competitividade. O reconhecimento do potencial do desporto paralímpico propicia uma reabilitação emocional para as pessoas com deficiência. Em certo ponto da gestão esportiva, não levamos em consideração o fato de serem pessoas com deficiência, mas atletas. A ideia é mostrar que a deficiência é uma entre as dezenas de características que essas pessoas têm.
O senhor é jornalista de formação e tem 15 anos de CPB. Como analisa a evolução do esporte paralímpico do Brasil neste período?
O Movimento Paralimpico se tornou mais maduro. Tomou consciência do seu tamanho e potencial. Temos um modelo bom de parceria, trabalhamos em coordenação com as confederações paralímpicas. O Movimento Paralímpico se profissionalizou em relação a verba e posicionamento. A aproximação com os meios de comunicação se deu a partir de Atenas 2004, quando o CPB adquiriu os direitos de transmissão dos Jogos e sublicenciou para 13 emissoras de televisão. Com isso conseguimos bater recordes de transmissão e cobertura jornalística dos Jogos Paralímpicos no Brasil. Foi aí que o Brasil passou a entender que os Jogos Paralímpicos não eram para pessoas com deficiência, mas sim para atletas de alto rendimento.
Atenas foi um divisor de águas?
Atenas nos ajudou no recrutamento de novos atletas. Daniel Dias e André Brasil, que hoje são estrelas, tomaram conhecimento do potencial do esporte paralímpico naquela edição dos Jogos. Se espelharam no Clodoaldo Silva (nadador detentor de 13 medalhas em Jogos Paralímpicos) e foram responsáveis por metade das medalhas de ouro que ganhamos em Pequim 2008 (ganharam oito medalhas de ouro, quatro cada). Em Pequim, repetimos a estratégia e em Londres não precisamos mais investir em compra de direitos de transmissão, pois uma emissora de tv se interessou e comprou. Mostramos que a transmissão dos Jogos Paralímpicos é comercialmente viável.
Quais os benefícios dos Jogos Paralímpicos em casa?
Acho que é o ápice da curva que o Movimento Paralimpico vem fazendo nos últimos anos. Espero que as pessoas assistam aos Jogos e torçam pelo esporte paralímpico. Espero que fique evidente o potencial do esporte paralimpico como diversão para o público de modo geral. O maior legado vai ser para as pessoas com deficiência. Afinal de contas, se eu posso vibrar por uma pessoa com deficiência que pode levar o meu país ao pódio numa competição esportiva, esta pessoa pode ser meu amigo de trabalho, meu chefe. O esporte é um grande meio para mostrar que as pessoas com deficiência podem desempenhar diversos papéis na sociedade.
Como analisa os resultados obtidos pelo Brasil nos Jogos Paralímpicos de Londres 2012?
O Brasil deu um passo firme e relevante para se incluir entre as potências paralímpicas mundiais. Tivemos momentos de afirmação do Brasil nos Jogos de Londres. A vitória do Alan Fonteles é um desses momentos. Ao mesmo tempo, conseguimos nos tornar uma referência positiva em gestão esportiva. Desenvolvemos projetos e programas para chegar ao sétimo lugar e conseguimos. Estamos falando de pular duas posições quando você já está entre os dez primeiros. Cada posição avançada é uma potência esportiva que você deixa para trás.
Quais os próximos passos?
Em 2009, depois que ganhamos o direito de sediar os Jogos Paralímpicos, fizemos um planejamento até 2016. Cada modalidade tem seu próprio caminho. Cada uma tem seu ritmo de intercâmbio de atletas, treinadores, investimento maior na base e apoio a atletas de ponta. Para 2016, teremos dois esportes novos no programa, que são a paracanoagem e o paratriatlo. O Brasil tem ótimos resultados nos campeonatos mundiais dessas modalidades, portanto acho que o ingresso desses esportes no programa irá nos ajudar a alcançar nossa meta.
E as maiores barreiras?
Continuamos trabalhando o quinto lugar como referência, mas temos que analisar melhor os Jogos de Londres. Avançamos as duas posições almejadas e repetir este feito se tornou muito mais difícil, por estarmos atrás apenas de grandes potências. Temos consciência que o referencial mudou. Existe uma concentração maior de medalhas nas grandes potências e isso faz com que tenhamos que ganhar um número maior de medalhas e em mais modalidades.
Estamos caminhando na direção certa, mas precisamos de mais estrutura e mais envolvimento. Acho que temos um bom apoio governamental, mas é fundamental o apoio da iniciativa privada. Ganhamos medalha de ouro em cinco esportes e precisamos ampliar esse leque. Temos potencial para isso, só precisamos de um gás a mais.
SAIBA MAIS SOBRE O MOVIMENTO PARALÍMPICO
A prática de atividades físicas por pessoas com deficiência teve início no mundo em meados do século XX, entre o fim dos anos 40 e o início dos anos 50, na Europa, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, um considerável número de combatentes sofreu lesões na coluna vertebral, ficando paraplégicos ou tetraplégicos, principalmente nos países europeus envolvidos no conflito. Este contexto influenciou o neurologista e neurocirurgião alemão Ludwig Guttmann a iniciar um trabalho de reabilitação médica e social de veteranos de guerra que apresentavam sequelas, especialmente medulares, utilizando práticas esportivas.
A primeira edição dos Jogos Paralímpicos foi realizada em Roma em 1960. Naquela época, a estrutura e organização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos eram bem diferentes das atuais. As competições aconteciam em cidades e datas diferentes.
No Brasil, a prática do esporte adaptado foi trazida quase uma década depois da primeira edição dos Jogos Paralímpicos, por pessoas que tratavam suas lesões em hospitais no exterior e que assistiam à prática esportiva de pessoas com deficiência. A primeira participação dos brasileiros em uma competição paradesportiva internacional foi nos Jogos Parapanamericanos de Buenos Aires em 1969.
Em Jogos Paralímpicos, a primeira participação foi em Heidelberg 1972, na Alemanha. A conquista da primeira medalha foi em Toronto 1976, por Luis Carlos da Costa e Robson Sampaio de Almeida na competição de duplas de Lawnballs, uma espécie de bocha na grama.
O Comitê Paralímpico Internacional (IPC) foi criado em 1989. Seu atual presidente é Philip Craven. Cabe ao IPC a chancela dos Jogos Paralímpicos de verão e de inverno, e a supervisão dos campeonatos mundiais.
O CPB foi constituído em 1995. A entidade é o órgão máximo do esporte paraolímpico brasileiro e representante legal do país junto ao IPC. É responsável também pela organização, fomento e participação brasileira nos Jogos Paralímpicos, nos Jogos Parapanamericanos e nos campeonatos mundiais. A sede do CPB está localizada em Brasília.