terça-feira, 3 de março de 2015

Outro olhar para a vida

Maquiador Marcos Costa ministra cursos para mulheres deficientes visuais. Iniciativa particular, ele exalta sua transformação pessoal e a mudança na autoestima das alunas

Marcos Costa explica que a maior dificuldade das alunas é  pintar os olhos (Arquivo Pessoal/Divulgação)
descrição da imagem: Marcos Costa explica que a maior dificuldade das alunas é pintar os olhos
 
Mulher e maquiagem são praticamente sinônimos. Pelo menos para as vaidosas. Sair de casa e aparecer em público sem pintar o rosto é pecado grave de beleza. O poder da transformação que vem dos pincéis, das cores e texturas é transformador. E pensar que o ato de maquiar nasceu na pré-história até se popularizar e chegar na versão moderna por meio do cinema dos anos 1920 é empolgante. Marcos Costa, maquiador da Natura, profissional disputado nas semanas de moda no Brasil, como a São Paulo Fashion Week , há anos no comando dos desfiles do estilista Ronaldo Fraga, revela um outro lado do seu trabalho: o de levar a maquiagem a quem vivia à margem desse mundo. Desde 2008, por iniciativa própria (não é um projeto corporativo), ouvindo no rádio as dificuldades dos deficientes visuais em lidar numa sociedade despreparada para abraçá-los no dia a dia, decidiu ajudá-los da forma que estava ao seu alcance. O goiano inquieto, criado para ter um olhar para o outro, decidiu dar curso de automaquiagem para pessoas com baixa visão e cegas. “Comecei com minha vizinha, ela chamou as amigas e a história cresceu.”
Até ano passado, Marcos não queria divulgar sua ação, mas foi convencido pela irmã para falar a respeito e chamar a atenção para essas pessoas, atrair novos participantes e outras contribuições e ações. Ele atende turmas na Fundação Dorina Nowill para Cegos em São Paulo e tem alunas que vão até sua casa ou num lugar combinado. “São encontros prazerosos, que me deixam feliz. Às vezes, até esqueço das dificuldades, cobro e dou bronca. Ao longo dos anos, aprendi a lidar com cada uma, foi intuitivo e recompensador.” Ele conta que são alunas de todas as idades e classes. “Elas ficam ansiosas, querem aprender tudo e peço paciência porque eu lhes ensino todos os passos da maquiagem, desde a preparação da pele.” Conhecido pela capacidade de maquiar com os dedos, seu diferencial no mercado, sua habilidade comungou com esse público. “Começo com as mãos, com os dedos, e sinto uma evolução incrível. Só depois de um tempo introduzo o pincel de boca.”

O maquiador revela que a maior dificuldade das alunas é pintar os olhos. “É onde está a sensibilidade. Por isso, o trabalho é redobrado de afeto e carinho. Quem perdeu a visão cedo lida melhor, mas quem deixou de enxergar mais tarde, tem mais barreiras”, mas nada que uma linda maquiagem não ajude a seguir em frente. “Tenho uma aluna que me manda a maquiagem que aprendeu comigo ou fez sozinha por aplicativo. É uma linda arquiteta que me deixa superorgulhoso.” Os encontros, lembra Marcos, fazem um bem danado. “As aulas são gostosas, divertidas, damos boas risadas e os nossos problemas ficam menores. Muitas vezes, a fechadura da porta travada ou um pneu furado se tornam um drama. Hipervalorizamos situações e desconhecemos os verdadeiros obstáculos. Meu olhar para a vida passou a ser outro. Quanto às alunas, acredito que passaram a perceber a vida de outra forma. Além da maquiagem, elas ficaram mais atentas com a imagem, em ter a unha feita e roupas mais arrumadas. Começaram a se cuidar mais.”

BLOG A arquiteta Lucia Helena Florio, de 38 anos, conheceu Marcos na Fundação Dorina, se encantou com ele e pela maquiagem. Inspirada, decidiu criar um blog para ensinar quem tem baixa visão a se maquiar. O endereço entrou no ar em setembro de 2014 e para acessá-lo basta clicar no site www.belezanapontadosdedos.com.br. Ela já postou quatro vídeos. “Preocupo-me em dar dicas com bastante descrição, para que todas possam aprender. Procuro ficar por dento das tendências, mas como também estou aprendendo, comecei com os passos mais simples. Sombras leves, batom mais claro para não aparecer tanto um erro, enfim, cores suaves para que elas possam perder o medo e se jogar.”

Lucia tem baixa visão. Ela conta que aos 8 anos percebeu a brusca perda da visão e foi diagnosticada com a doença de Stargardt, que se manifesta de forma progressiva. Profissional autônoma, ela faz projetos de interiores, consultorias e, agora, está focada no blog. “Fui a Dorina para cursos de mobilidade, do uso da bengala branca, e conheci o Marcos. Entrei para o grupo de maquiagem e tive a ideia do blog. Antes, não dava tanta importância, só me maquiava em ocasiões especiais. Mas me despertei e fiquei apaixonada. Ele nos ensina a quantidade para não exagerarmos com os produtos, já que tudo é ampliado para termos noção. Aprendemos a esfumar a sombra, passar batom com pincel e a usar o blush.” Ela conta que maquiar os olhos é a parte mais sensível, mas aos poucos a insegurança dissipa. “Nosso olho é precioso e quem tem baixa visão que preservá-lo o máximo possível. Por isso, fica com medo dos produtos químicos. Adaptamos, escolhemos o rímel incolor, por exemplo, que é mais suave. Mas aos poucos queremos passar uma sombra brilhante. A partir da maquiagem elevamos a autoestima. Acho que todas as meninas devem se gostar mais. Muitas ficam deprimidas e encolhem, mas é preciso se animar, ter objetivos e vontade de viver. Há dificuldades, mas temos de nos jogar na sociedade, mostrar que podemos, para termos mais chance em tudo na vida e, assim, nos incluir cada vez mais.”
(fonte: Estado de Minas)

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